4 de setembro de 2013

MUDANÇA NO ÁGIO SURPREENDE EMPRESAS

Por Fernando Torres | De São Paulo
Interlocutores que negociavam com o governo sobre a dedutibilidade fiscal do ágio pago em fusões aquisições estão perplexos e incrédulos diante da notícia, publicada ontem pelo Valor, de que o fim do benefício fiscal em transações entre partes independentes está sob análise da presidente Dilma Rousseff.
Embora todos saibam que existem muitos técnicos da Receita Federal e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que têm verdadeira ojeriza pela palavra "ágio", discussões realizadas nos últimos meses (sendo a mais recente em agosto) levavam os contribuintes a crer que estava tudo certo para a manutenção do benefício fiscal, embora com diferenças e restrições. O fim completo da dedutibilidade tinha saído da pauta de negociações há mais de um ano, embora fosse o desejo inicial do Fisco.
Quatro fontes próximas às tratativas ouvidas pelo Valor, que pediram para não se identificar, se mostraram bastante surpresas com a notícia, e procuravam verificar com seus interlocutores no governo se existe uma decisão final sobre o assunto.
Alfried Plöger, vice-presidente da Associação brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), disse que o Fisco nunca prometeu oficialmente que manteria o benefício fiscal, mas que isso teria ficado "sub-entendido" nas diversas conversas realizadas.
O que estava na mesa de negociação com o setor privado era o fim da possibilidade de dedução fiscal do ágio gerado em operações intragrupo (ágio interno) e também uma mudança na forma de cálculo do ágio existente em operações entre empresas independentes (ágio externo), que tenderia a reduzir o benefício, mas não acabar com ele.
Embora não fosse a preferência dos contribuintes, as empresas já haviam se conformado com essas mudanças.
Até 2007, antes do início da adoção do padrão contábil IFRS no Brasil, o ágio dedutível fiscalmente era obtido pela diferença entre preço de compra e o patrimônio líquido contábil da adquirida. Desde então, houve práticas divergentes sobre como deveria ser o cálculo - se pela regra vigente até 2007, ou pelo critério previsto no padrão contábil internacional IFRS.
E o que a medida provisória faria era deixar claro que, a partir de agora, vale o mesmo cálculo usado para o IFRS, que chama de ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) somente o valor residual pago em uma aquisição.
O IFRS pressupõe que, do valor desembolsado acima do patrimônio líquido da empresa adquirida, uma parcela se explica pelo fato de alguns ativos e passivos desta empresa estarem com valor contábil desatualizado, o que precisa entrar na conta. Além disso, costuma se pagar por ativos intangíveis que muitas vezes não estão contabilizados no balanço da empresa comprada - como marcas desenvolvidas internamente.
Somente o que sobra após feita toda a alocação do preço é que se chama de goodwill. Essa forma de cálculo tende a reduzir o tamanho do ágio e consequentemente o benefício fiscal para a adquirente.
Outro tema que estava em discussão se referia aos ágios pagos em transações ocorridas nos últimos anos, mas que não foram totalmente amortizados, já que há um prazo de cinco a dez anos para que isso seja feito. Pelo que era conversado, haveria um tempo de transição durante o qual o ágio calculado pelo sistema antigo ainda poderia ser amortizado.
A proposta que era debatida também previa a manutenção do prazo de cinco a dez anos, como é feito hoje - e não a partir do quarto ano após a aquisição, como chegou a ser aventado há um ano.
 
Receita vê uso indevido de benefício e passa a autuar grandes companhias
Por Thiago Resende | De Brasília
A Receita Federal tem autuado grandes empresas por suposto uso indevido de ágio para reduzir o pagamento de tributos. Santander, Gerdau e Oi são algumas das companhias que receberam essas cobranças que, dependendo do caso, podem superar a casa dos bilhões de reais. Como revelou ontem o Valor , o governo prepara medida provisória para acabar com o benefício de abater o ágio resultante de operações entre empresas.
A Receita Federal exige o pagamento de tributos que supostamente deixaram de ser recolhidos, além de multa e juros. As empresas podem recorrer e discutir essas cobranças na esfera administrativa, ou judicialmente. As decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), responsável pelos julgamentos da esfera administrativa, têm sido variadas: às vezes, a favor e, às vezes, contra as companhias, mas a maioria ainda não teve uma conclusão, pois os julgamentos ocorreram em instâncias intermediárias.
Até o momento, a Câmara Superior do órgão - última instância administrativa para discutir cobranças da Receita Federal -, julgou apenas uma autuação de abatimento de ágio. Foi um caso contra o grupo Casa do Pão de Queijo. A decisão foi favorável à empresa, que conseguiu derrubar a exigência de R$ 5 milhões em tributos. Mas o processo é considerado muito específico e, para alguns advogados, não sedimenta o entendimento do Carf.
Nas câmaras "baixas", o banco Santander conseguiu se livrar de uma cobrança de aproximadamente R$ 4 bilhões. Uma autuação da Telemar (Oi) estimada em R$ 2 bilhões também foi derrubada, assim como uma de R$ 700 milhões envolvendo a Gerdau. Só que alguns desses casos ainda devem ser analisados pela Câmara Superior do Carf.
Em 1997, o governo federal publicou a Lei nº 9.532 para incentivar as privatizações. Por exemplo, o ágio do caso envolvendo o banco Santander foi gerado na compra do banco Banespa; e o da Telemar foi resultante da aquisição da Telebrás. A lei permite que o ágio seja registrado como despesa no balanço das empresas e amortizado, em no mínimo cinco anos, da base de cálculo do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, apurou que as mudanças nesse benefício fiscal devem ocorrer junto com a extinção do Regime Tributário de Transição (RTT), criado para uma adaptação das empresas à entrada em vigor das normas contábeis internacionais. Atualmente, a dedução do ágio só é possível por causa do RTT. Se fosse apenas pela legislação em vigor e já pelas normas internacionais, isso não poderia ocorrer, diz Ana Claudia Utumi, sócia responsável pela área tributária do escritório Tozzini Freire Advogados.
Segundo ela, a maioria dos países não permite a amortização do ágio. Mas, ao retirar essa possibilidade tributária, o Brasil perde um diferencial para grandes investimentos. "Se isso acontecer, vai haver uma redução da atratividade das operações de compra e venda de empresas. A mudança vem num momento ruim da economia mundial", disse Ana Claudia.
 
Para tributaristas, dedução atrai investidor
Por Laura Ignacio e Marta Watanabe | De São Paulo
Pisco Del Gaiso/Valor / Pisco Del Gaiso/ValorLuís Rogério Farinelli, do Machado Associados: a dedutibilidade do ágio entra na conta de retorno do investimento
Para os tributaristas ouvidos pelo Valor, a dedutibilidade do ágio no Imposto de Renda (IR) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) é representativa e entra no cálculo da taxa de retorno dos investimentos. A retirada do benefício, portanto, deve desestimular negócios futuros ao mesmo tempo em que irão prosseguir as discussões atuais, judiciais ou administrativas, sobre o aproveitamento do ágio.
Luís Rogério Farinelli, sócio do escritório Machado Associados, diz que a dedutibilidade do ágio dá maior competitividade ao Brasil na atração de investimento. Para ele, em vez de retirar todo o benefício, poderia haver restrições de modo a não permitir mais o ágio feito "dentro de casa", originado de operações de planejamento tributário entre empresas de um mesmo grupo.
Há, segundo Farinelli, uma visão distorcida em relação ao ágio. "Muitas vezes, o ágio é usado de forma legítima. O valor é efetivamente pago, a operação é feita entre empresas independentes e o cálculo tem bases concretas", argumenta. Para ele, o ágio de rentabilidade futura pago em operações de fusão e aquisição de empresas independentes - o chamado ágio externo - deve ser mantido. Atualmente, diz, é uma forma de compensar o investidor de distorções no sistema tributário brasileiro.
Para o advogado Luiz Paulo Romano, do Pinheiro Neto Advogados, com o fim do ágio, o governo também seria prejudicado. "Quando bem aproveitado, com propósito negocial, o ágio estimula a economia, o que aumenta a arrecadação", diz. "Na situação atual do país, considerando a expectativa de inflação, vedar o uso pelas empresas que se unem para aumentar a competitividade no mercado, seria negativo para o próprio governo", afirma o tributarista.
O ideal, diz Romano, seria o que estava em discussão anteriormente, ou seja, a criação de regras mais claras sobre o ágio. "Seria positivo elencar claramente as situações para o uso do ágio com segurança, para evitar interpretações do Fisco que levem as empresas a serem autuadas."
Pedro César da Silva, sócio da Athros ASPR, ressalta que as decisões administrativas a respeito do ágio levam em consideração a existência de substância econômica das operações que levam ágio. "Não faz sentido vedar o aproveitamento do ágio entre partes independentes. Se houve um custo efetivo isso precisa ser amortizado ao longo do tempo."
Para Paulo Vaz, sócio do Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados, é necessário verificar como o governo federal deverá fazer a mudança relacionada ao ágio. "Será que o governo vai acabar com o desconto do ágio de rentabilidade futura suspendendo a aplicação do RTT para esses casos?", diz ele, referindo-se ao Regime Tributário de Transição (RTT), pelo qual as empresas fazem uma espécie de adaptação da legislação contábil para fins fiscais. Nesse caso, na prática, restaria às empresas apenas a dedutibilidade do ágio relacionado à mais valia dos ativos e de pequena parte do ágio de intangíveis. O ágio de rentabilidade futura não seria amortizável.
Do ponto de vista da discussão jurídica, ressalta o tributarista Heleno Taveira Torres, um ponto positivo de eventual edição de uma MP que torne o ágio extinto, como o governo federal estuda, é que a medida reconheceria que, em relação ao passado, havia a possibilidade legal do uso do benefício, o que pode ajudar nos recursos administrativos.
Farinelli, do Machado Associados, reconhece que o desconto do ágio não costuma ser aceito nos países desenvolvidos da mesma forma que no modelo brasileiro. "Mas se a ideia é ficar em linha com os países exportadores de capital, é preciso ter coerência em relação a outras exigências tributárias", diz ele, comentando sobre a mudança na tributação de lucros de coligadas e subsidiárias no exterior, também em estudo pelo governo.
 
Governo federal decidiu mexer em dois verdadeiros vespeiros tributários
Por Fernando Torres | São Paulo
O relacionamento difícil com empresários é sabidamente um dos calcanhares de Aquiles deste governo. E é exatamente por isso que surpreende a decisão de se mexer, simultaneamente, em dois dos maiores vespeiros tributários do país. Acabar com a insegurança jurídica envolvendo dedutibilidade fiscal do ágio e o momento em que deve ocorrer a tributação de lucro de controladas e coligadas no exterior certamente é algo bem-vindo para o ambiente de negócios. Mas conforme a manchete de ontem do Valor, o governo não vai ficar nisso.
A preocupação com a arrecadação teria colocado outros dois pontos na pauta. A criação de um "Refis" específico para lucro no exterior, com o intuito de incentivar as empresas a desistir de litígios e a pagar o valor das autuações, e o fim completo do benefício fiscal da amortização de ágio gerado em aquisições, também somado a um Refis restrito para casos do "passado".
Embora as duas medidas visem a elevar a arrecadação, apenas a primeira poderia ter efeito realmente de curto prazo e seria até bem recebida pelas empresas. A segunda é vista com muitas reservas pelo empresariado e, dificilmente, teria algum impacto relevante imediato na arrecadação.
Isso porque, mesmo que o governo dê incentivos - como isenção de multa e juros - para pagamento de autuações envolvendo amortização de ágio, há descrença entre os especialistas quanto ao desejo das empresas em aceitar um acordo para encerrar as disputas. Embora o Fisco não titubeie em autuar praticamente todas as empresas envolvidas em fusões e aquisições, a legislação é expressa e bastante clara sobre a existência do benefício da amortização fiscal do ágio por expectativa de rentabilidade futura.
Até por isso os contribuintes têm obtido vitórias consistentes em âmbito administrativo quando contestam as cobranças da Receita - com exceção do ágio gerado em operações intragrupo, em que existe mais controvérsia. Assim, uma eventual melhora na arrecadação só ocorreria no longo prazo, quando novas aquisições forem feitas e não houver mais o benefício fiscal. Nada que resolva problemas de caixa do governo neste ano.
Isso sem falar na perda da confiança que ainda resta entre os empresários, que vinham debatendo o tema há mais de ano com representantes do Fisco e foram surpreendidos com a retomada da proposta de acabar totalmente com o incentivo fiscal.
Quanto à proposta de Refis sobre disputas envolvendo lucro de controladas e coligadas no exterior, esse sim um tema jurídico mais controverso e com diversas nuances envolvendo o país de localização da subsidiária, ela tem poder para estimular as empresas a tirar contingências do balanço. Mas ninguém desistirá da briga de graça - até porque a conta é multibilionária, mesmo com descontos. Tudo dependerá do tamanho do incentivo que será oferecido.
 
Alteração nas regras afetará preços de fusões e aquisições, preveem bancos
Por Talita Moreira e Carolina Mandl | De São Paulo
A medida provisória (MP) que proíbe o uso do ágio no abatimento de impostos, se aprovada, poderá afetar o apetite por fusões e aquisições e reduzir os preços desses negócios, afirmam banqueiros ouvidos pelo Valor. A percepção quanto à intensidade desse impacto varia, mas todos dizem que a iniciativa terá influência na definição de preços de uma operação.
"A notícia é ruim e pior ainda pelas circunstâncias que o país está vivendo", diz fonte da área de fusões e aquisições de um grande banco de investimentos, que pediu para que seu nome não fosse revelado. De acordo com esse interlocutor, o ágio costuma ser um ponto importante nas conversas entre compradores e vendedores. "É das primeiras coisas que se discutem", afirmou a fonte.
Por isso, na opinião desse banqueiro, a aprovação da medida poderá levar à realização de menos negócios, pois eles podem se tornar menos atrativos, e vai reduzir os preços, já que será removido um ganho potencial.
"Falta [o governo] enxergar que operações que podem reduzir a arrecadação num primeiro momento podem, no longo prazo, criar empresas muito mais fortes", observa. Para essa fonte, a perspectiva de aprovação da MP pode fazer com que negócios que já estão engatilhados sejam acelerados para evitar que sejam submetidos às novas regras.
Outro executivo de um dos maiores bancos comerciais do país, diz que caso seja aprovada, a medida vai desestimular operações de fusão e aquisição no país. "O ágio é algo que entra nos cálculos de retorno de um investimento. Se vai tornar o retorno mais demorado, o preço se reduzirá", diz ele.
Por outro lado, afirma o executivo, os vendedores das empresas continuarão pagando impostos sobre o ganho de capital que terão com os negócios. "Para quem vende fica difícil aceitar ganhar menos se para eles tudo ficou igual", afirma. Um terceiro executivo, de outro grande banco, no entanto, aposta que o impacto será limitado. A motivação das transações, diz, não é essencialmente baseada em questões fiscais.
Segundo essa fonte, as operações que se baseavam sobretudo no aproveitamento do ágio são coisas do passado. As operações, hoje, são pautadas nos fundamentos das empresas adquiridas, o que independe de benefícios fiscais.
"Assim como a perspectiva de ganho fiscal é um fator, os negócios têm outras dinâmicas, como a obtenção de sinergias, que entram no preço e também podem não se materializar", diz esse banqueiro. "Vai ter impacto, mas não será o principal."
A medida não chega a ser surpreendente. As discussões sobre o fim do aproveitamento fiscal do ágio já se arrastam há alguns anos. "Por isso, esse risco já está de certa forma mitigado", afirma fonte de um banco. Se aprovada, a MP chegará num momento já fraco para fusões e aquisições. Desde o início do ano, foram anunciados 436 negócios, que somam US$ 28,6 bilhões. Em todo o ano passado, que já não foi bom, foram US$ 68,3 bilhões em 826 transações.

 
Fonte: Valor Econômico
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário