Gláucia Mara Coelho e Renata Martins de Oliveira são, respectivamente, sócia e associada do escritório Machado Meyer
A Lei 11.101/2005 ("LRF") introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o processo de recuperação judicial, em substituição à antiga concordata. Referida alteração legislativa foi corroborada pela Lei Complementar 118/2005, que inclui os parágrafos do artigo 133 do Código Tribunal Nacional, trazendo disposições similares à da própria LRF, direcionadas às Fazendas Públicas.
A recuperação judicial objetiva viabilizar a superação de crise econômico-financeira de empresas, com o intuito de promover a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e de atender aos interesses dos credores. Segundo os termos da LRF, as dívidas tributárias não estão sujeitas a tal procedimento, de tal modo que o Fisco pode adotar todos os meios cabíveis para satisfação do seu crédito. Em que pese a jurisprudência não vedar que o Fisco ajuíze execuções fiscais no curso da recuperação judicial, certo é que, nos oito anos de vigência da LRF, os tribunais brasileiros vem externando entendimentos em relação à dívida tributária de empresa em recuperação judicial.
O primeiro entendimento pacificado nas Cortes Estaduais afastou a regra disposta no art. 57 da LRF, que determina que, para o deferimento da recuperação judicial, deve o Juízo respectivo exigir da devedora a apresentação de certidões negativas de débitos tributários. Este requisito tem sido afastado pelo Poder Judiciário em virtude de não ter sido promulgada, até o momento, lei tratando do parcelamento dos débitos tributários. De fato, a vontade do legislador, ao conceder às empresas em recuperação o instrumento do parcelamento tributário (a ser regulado por Lei Complementar), foi, efetiva e coerentemente, dar meios para a superação de crise econômico-financeira que lhes venha acometer, fim último da LRF, estabelecido no art. 47. Como tal norma complementar ainda não foi editada pelo Congresso Nacional, deve-se afastar a exigência do art. 57 da LRF, até que o Estado venha a cumprir com seu papel.
A este respeito, aguarda-se a publicação de acórdão do REsp 1.187.404/MT, que, conforme divulgado pela mídia do Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguirá a tendência de afastar a exigência das certidões negativas tributárias.
O segundo entendimento originado no STJ, no final de 2012, sustenta a tese de que, muito embora o Fisco possa ajuizar execuções fiscais contra empresas em recuperação, os atos de constrição não podem recair sobre bens essenciais, que sejam objeto do plano de recuperação homologado em juízo. No julgamento do REsp 1.166.600-RJ, tirado da recuperação judicial da Varig, registrou-se que "embora a execução fiscal, em si, não se suspenda, são vedados atos judiciais que inviabilizem a recuperação judicial, ainda que indiretamente resulte em efetiva suspensão do procedimento executivo fiscal por ausência de garantia de juízo".
O último entendimento vem em resposta às correntes acima e foi manifestado no julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.053.883-RJ. A Terceira Turma do STJ, por unanimidade, entendeu que existe interesse jurídico da União para sustentar, no juízo da recuperação judicial, a imprescindibilidade da juntada de certidões de regularidade tributária para a homologação do plano de recuperação. Para justificar o interesse jurídico da União naquele caso, o voto da relatora Ministra Nancy Andrighi traz importantes considerações sobre uma tendência que já vinha sendo manifestada seja no STJ (conforme REsp 1314209 - SP), seja no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (conforme casos Gyotoku e Decasa), no sentido de que a decisão da Assembleia Geral de Credores em uma recuperação judicial é soberana, desde que não viole norma de ordem pública, sendo importante, para que se evitem abusos, a cautelosa oitiva de todos os interessados envolvidos, incluindo o Fisco.
Felizmente, o STJ, em tal acórdão, tomou o cuidado de consignar que o direito da União "de ser ouvida não lhe garante o direito de rejeitar, impor condições ou impedir a homologação do plano de recuperação, mas tão somente de ver seus argumentos considerados no momento desta importante decisão". Do mesmo modo, em seu Voto-vista, o Ministro Sidnei Benetti também externou sua preocupação com o significativo aumento da complexidade dos andamentos processuais caso fosse admitida uma ampla intervenção da Fazenda nos processos de recuperação judicial, o que, nas palavras do próprio Ministro "se deve, a todo o tempo, evitar". Essas reflexões trazidas pelo STJ no julgamento em questão são fundamentais, haja vista que, qualquer interpretação diferente pode comprometer o próprio êxito do instituto da recuperação judicial.
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